Páginas

Seguidores

sexta-feira, abril 20, 2012

Relações Juridicamente Impenetráveis : O Não Direito e a Vida.

Ainda nesta semana, segundo notícias provenientes do TJDF e publicadas na Tribuna do Direito, uma mulher, aos 79 anos, viu confirmada a decisão que a absolveu da acusação de ter tentado matar o próprio filho, por asfixia ou desligamento de aparelhos, já que ele vivia em estado vegetativo. Pelo que constou da matéria , publicada no site do jornal ( www.tribunadodireito.com.br), acusação e defesa irmanaram-se perante o Júri, abrindo mão de provas de Plenário e clamando pela absolvição, já que, freise-se, na hipótese, a aplicação da pena, vale dizer, do próprio Direito Penal,  não prestaria qualquer serviço à sociedade e tampouco serviria a qualquer propósito no quanto diz respeito à ré.  Prevenção inócua, segundo corretamente calcularam. Houve, asim, um recuo ou um abrupto estancamento da marcha da acusação, haja vista os meandros do caso, sua particular arquitetura, ou, como habitualmente se diz, em razão do cenário, do pano de fundo perante a qual se desenrolou a cena delituosa ( caso tenha mesmo ocorrido ). O que motiva condutas técnicas dessa natureza é sempre algo passível de uma averiguação, pelo inusitado do quadro, mas possível em razão de fatores sempre apreciáveis. O amor materno, o amor paterno, os conflitos existenciais familiares sempre que se desencaminham turbam não apenas a razão daqueles que o vivenciam, mas também, e principalmente, dos que são arrastados ao embate pela obrigação profissional de realizar sua apreciação, dando-lhe solução técnica. Evidente quanto a isso um choque entre a gramática racional do jurídico e a lógica circular dos sentimentos, realidades opostas, entre as quais não se firma o diálogo fluido e compreensível. Contribue para isso, talvez, a visão mitológica sobre amores paterno ou materno-filiais, que tatuam no incosciente coletivo a idéia totalizadora do bem, do harmônico e do verdadeiro como dados inatos dessas relações. O desvio do curso natural dessas naturais expectativas, então, é sempre recebido como fator intestino de uma convivência insondável pelas lentes racionais do observador, o que, por sua vez, redunda na impotência conceitual do universo jurídico para indicar desate perfeitamente adaptado a todos os meandros da situação. Restultado: o Direito bate em retirada, porque julgar nesses casos equivale a especular sobre saídas do pântano em noite  escura, com os riscos elevados de injustiça.  Em meados dos anos noventa, houve notícia de uma hipótese similar  no 1º Tribunal do Jùri de São Paulo, embora com um desfecho mais trágico.  Esse caso era marcante por peculiaridades estridentes, pois se cuidava de situação em que uma mãe de filho único, por ela cuidado até pouco além dos vinte anos com garras felinas, caíra gravemente doente, carecendo de cirurgias para correção  de mal gravíssimo. A mãe, que tomara o filhos para si, dele se adonando de uma maneira excessiva, foi ao desespero quando o anúncio sobre os resultados negativos da última intervenção cirúrgica, realizada aqui em São Paulo, fracassando, assim,  a última tentativa de restabelecimento das condições normais de saúde do filho. Foi então que cumprindo compromisso assumido para com ela própria, ainda no leito do hospital, fez um disparo de revólver contra a cabeça do menino, matando-o instantaneamente, para depois disparar contra o próprio crânio, na desesperada tentativa de suicídio, aliás, mal sucedida. A formalização da denúncia criminal pelo homicídio qualificado contra a mãe, aparentemente fácil, pela nitidez do homicídio qualificado, não se deu de maneira assim tão simples. A letra da lei, que descrevia hipótese de homicídio qualificado, parecia dizer respeito a circunstâncias outras.  Aquele fato, em si, tinha algo de formalmente adaptável ao tipo, mas não substancialmente. Havia um biombo invisível entre a situação e o mundo exterior que não admitia invasão ou prospecção. Era alguma coisa que transcendia e ao mesmo tempo apequenava em relevância qualquer visão normativa sobre o caso, convertendo a decisão judicial em alguma coisa sem sentido. Não se cuidava de um crime, mas de uma tragédia. Fato que logo depois perdeu completamente o interesse, à medida em que a mãe veio a tirar a própria vida, logo após ser posta em liberdade. O ponto comum entre esses dois acontecimentos judiciários parece ser a insuficiência do Direito ante certos aspectos ou pontos da realidade. Jean Carbonnier, jurista e sociólogo francês, em seu "Flexibilie Droit", dedica um ensaio alentado sobre o "não direito", no qual de forma esclarecedora, e tal como fez mais recentemente Stefano Rodottà,  trata dos limites impostos ou a serem impostos ao jurídico.  Como diz o primeiro, há situações em que, quando o próprio universo jurídico não recua, os fatos se rebelam contra sua imposição e disciplina, impondo naturalmente um obstáculo impenetrável, como se dá em hipóteses como essas, em que o fator visível é a absurda inutilidade do normativo onde os fatos já cumpriram seu papel.  Por vezes o não direito é produto de uma autorrestrição do próprio Direito, como se dá, por exemplo, na hipótese clássica do perdão judicial em matéria penal. Enfim, os fatos da vida são mais volumosos e a realidade, como se sabe, é bem maior que os limites estreitos do Direito.

Um comentário:

  1. Anônimo10:50 PM

    Trata-se de uma decisão humana? É o julgamento de homens "comuns" no lugar da técnica e do positivismo? No Direito não há nada absoluto, isto é fato, mas quando tratamos da natureza humana já não tenho tanta certeza. Só por hoje, dei graças a Deus por não ser nenhum dos operadores do caso. Ainda não estou pronta... Evlyn Sucaria

    ResponderExcluir