Atribuir a alguém a condição de filho por ato de vontade significa perfilhar e, enfim, instituir voluntariamente laço parental civil - ou jurídico - onde inexistam vínculos genéticos. Adotar, em última análise. Essa forma especial de acolhimento familiar, com natureza de medida de proteção segundo a legislação estatutária ( ECA, art. 101, IX, c.c. art. 39) vem cercada de cuidados específicos por parte do sistema jurídico, primeiro por dizer respeito a modo de composição ou integração de alguém a núcleo familiar, e, para além disto, por importar em rompimento obrigatório de laços familiares precedentes (ECA, art. 41 "caput"). É que a família se revela objeto de proteção especial do Estado ( CF, art. 226, "caput"), de que decorre a tutela ampla das situações existenciais familiares, notadamente dos laços que dão sustentação à familia natural (ECA, art.25), estimados como prioritários pela doutrina da proteção integral (CF, art. 227, "caput"). Daí porque comando constitucional prescreve a necessidade de o Estado assistir, ou melhor, estabelecer controle e acompanhamento às hipóteses de adoção ( CF, art. 227, par. 5º), o que se dá por meio do Poder Judiciário, sobre quem recaiu o encargo ( ECA, art. 148, III e CC art. 1619). O que se conclui a partir dessas observações iniciais, portanto, é a aparente impossibilidade de que se cogitem de fórmulas de constituição de vínculos adotivos que escapem ao controle estatal, tampouco à maneira legalmente prevista para tanto, já porque as vias próprias inscritas na legislação estatutária, e na civil codificada, seriam únicas e incontornáveis. Especialmente no tocante às adoções de crianças e jovens, aliás, os cuidados legais são ampliados, a partir das necessidades de, por um lado, garantir que acolhimentos adotivos se dêem segundo o melhor interesse do adotando ( ECA, art. 43) e, por outro, com garantias de nenhuma concessão a privilégios ocasionais a adotantes determinados (ECA, art. 50), já pela urgência em se admitir o acesso à possibilidade de acolhimento familiar substitutivo em condições de igualdade em relação a quem o deseje. Neste ponto, por sinal, inscreveu-se na lei a obrigatoriedade do "cadastro de adotantes", banco de dados que reúne informações precisas sobre os interessados em adotar crianças e adolescentes, quando devidamente habilitados para tanto (ECA, art. 197-A e segs.). Na verdade, a prévia habilitação no cadastro converteu-se em requisito formal para a adoção, excepcionado apenas em situações legal e restritamente previstas ( ECA, art. 50, § 13), o que constitui modo de o Estado intervir no processo para cumprir seu papel constitucional e vigiar situação em que direitos pessoais relevantes, e indisponíveis, encontram-se em jogo. As exceções a essa exigência se encontram aprisionadas a três hipóteses, vale dizer, (a) à adoção unilateral (ECA, art. 41, § 1º), (b) adoção por parentes do adotando e (c) adoção por quem mantenha tutela ou guarda legal do adotando por três anos. Nesse contexto, então, é que se coloca a discussão sobre a pertinência ou viabilidade técnica da denominada adoção "intuitu personae", cuja peculiaridade é a de conservar um caráter estritamente contratual, com acentuada influência da autonomia negocial e liberdade da vontade, cujo exercício alcança a escolha direta do adotante pelos pais do adotando ou por este mesmo quando adolescente, o que invariavelmente ocorre de modo a recair sobre sujeito não previamente inscrito no cadastro. Cuida-se, dessarte, de alternativa imprevista na legislação, o que alimenta um constante debate em torno de sua viabilidade jurídica, notadamente quando diga respeito à criança ou adolescente, em função dos rigores da lei no tocante à exigÊncia da prévia habilitação e inscrição no cadastro de adotantes. Uma primeira opinião respeitável sobre o assunto é no sentido de sua impossibilidade técnica, notadamente após o novo arranjo legal do instituto trazido pela Lei Federal 12.210/2009, já porque justamente essa legislação trouxe a inclusão de cuidados mais restritos em relação ao cadastro, proibindo aparentemente a doção por pessoas nele não inscritas fora das restritas hipóteses de exceção. Nesse sentido, então, sem perder a natureza contratual, de sua essência, a nova lei de adoção teria restringido ainda mais as situações de legitimidade para o acolhimento familiar substitutivo por essa via, limitando-o aos adotantes previamente habilitados e cadastrados, sem lugar para a alternativa da adoção "intuitu personae" . Os que defendem essa visão apregoam seus benefícios, dentre os quais, inclusive, a evitação de delitos relativos a situação do tipo, como, por exemplo, a promessa de entrega de filho ou pupilo para colocação em família substituta mediante a obtenção de vantagem de cunho patrimonial ou não ( ECA, art. 238). Desse ponto de vista, inegável a necessidade de prudência em relação a acontecimento do tipo, de ocorrência correntia, infelizmente. Mas, não se vendo na hipótese circunstância que indique a existência de indícios idôneos nesse sentido, seria justificável essa orientação? À evidência, não. Se é certo que a ausência de previsão legal para determinada circunstância não indica, por si, sua possibilidade jurídica, não se apresenta menos correta a convicção de que também não afaste a alternativa oposta, o que carece da necessidade de uma visão mais aprofundada do sistema como pressuposto de melhor resposta ao problema. Bem analisada a matéria, pois, deve-se ter presente o fato de que a proteção à criança e ao adolescente mereceram do próprio legislador ao tempo da edição da Lei Federal nº 12010/2009 uma preocupação com a exteriorização de diretrizes efetivas, dentre as quais aquela que diz respeito à atenção necessária ao superior interesse da criança ( ECA, art. 100, § único, IV), cujo espírito é o de sopesar nas circunstâncias concretas de cada caso os interesses em contraposição, promovendo seu balanceamento para fazer prevalecer aquele que condiga com a situação de melhor amparo possível ao intresse primário do sujeito especial de direitos ( criança ou adolescente ) em questão. Trata-se, então, de diretriz que exige do magistrado o emprego do postulado da ponderação de interesses, atribuindo-lhe a discricionariedade para afastar obstáculos formais à garantia de tutela daquele que possa parecer o mais ajustado à realidade pessoal e circunstancial do adotando. Nesse entendimento, pois, forçosa parece ser a convicção de que a natureza contratual da adoção confirma a possibilidade da escolha pelos pais - em confiança - dos futuros adotantes de seus filhos, tanto quanto a possibilidade de flexibilização do requisito formal de prévia habiilitação e inscrição no cadastro, pois pressuposta na hipótese uma vantagem satisfatória em relação ao interesse do adotando, a menos que surjam evidêncis do contrário. Foi nessa linha de consideração, aliás, o STJ, no R.Esp nº 1.172.067-MG, admitiu a constituição do vínculo adotivo por essa via, caso em que o relator, Min. Massami Uyeda, em seu voto condutor, ponderou a prevalência do superior interesse da criança sobre a exigência da prévia habilitação e cadastramento dos adotantes, fixando a urgência de se observar em cada caso suas contingências e peculiaridades. É certo que crianças e jovens não são exatamente propriedade de seus pais, como corretamente argumenta Murilo Digiácomo (ECA Comentado/Malheiros -2011), o que em princípio militaria em desfavor da contratualidade direta na adoção, mas há que se distinguir o gesto irresponsável da entrega em adoção - por espírito argentário ou mero desinteresse na paternidade - daquele no qual os genitores responsavelmente visam dotar o filho de uma nova família capaz de ampará-lo adequadamente. É nesse espírito que se tem admitido a hipótese, com os acautelamentos indispensáveis.
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quinta-feira, maio 24, 2012
domingo, maio 20, 2012
Segurança Jurídica ou Justiça: Voto do Min. Celso de Mello em Hipótese de Relativização da Coisa Julgada
EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. DEMANDA ANTERIOR JULGADA
IMPROCEDENTE. COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL. SUPERVENIÊNCIA DE NOVO
MEIO DE PROVA (DNA). PRETENDIDA “RELATIVIZAÇÃO” DA AUTORIDADE DA COISA
JULGADA. PREVALÊNCIA, NO CASO, DO DIREITO FUNDAMENTAL AO CONHECIMENTO DA
PRÓPRIA ANCESTRALIDADE. A BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA COMO EXPRESSÃO
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. ACOLHIMENTO DA POSTULAÇÃO RECURSAL
DEDUZIDA PELA SUPOSTA FILHA. OBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE, PELO RELATOR, DO
PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. RE CONHECIDO E PROVIDO. - RESSALVA DA
POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR (MINISTRO CELSO DE MELLO), MINORITÁRIA, QUE
ENTENDE QUE O INSTITUTO DA “RES JUDICATA”, DE EXTRAÇÃO EMINENTEMENTE
CONSTITUCIONAL, POR QUALIFICAR-SE COMO ELEMENTO INERENTE À PRÓPRIA NOÇÃO
CONCEITUAL DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, NÃO PODE SER DEGRADADO, EM
SUA CONDIÇÃO DE GARANTIA FUNDAMENTAL, POR TESES COMO A DA
“RELATIVIZAÇÃO” DA COISA JULGADA. NA PERCEPÇÃO PESSOAL DO RELATOR
(MINISTRO CELSO DE MELLO), A DESCONSIDERAÇÃO DA AUTORIDADE DA COISA
JULGADA MOSTRA-SE APTA A PROVOCAR CONSEQUÊNCIAS ALTAMENTE LESIVAS À
ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS, À EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE
SEGURANÇA JURÍDICAS E À PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO SOCIAL. A
INVULNERABILIDADE DA COISA JULGADA MATERIAL DEVE SER PRESERVADA EM RAZÃO
DE EXIGÊNCIAS DE ORDEM POLÍTICO- -SOCIAL QUE IMPÕEM A PREPONDERÂNCIA DO
VALOR CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA, QUE REPRESENTA, EM NOSSO
ORDENAMENTO POSITIVO, UM DOS SUBPRINCÍPIOS DA PRÓPRIA ORDEM DEMOCRÁTICA.
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra
decisão, que, proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se
consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 361): “AGRAVO
REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA.
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. IMPROCEDÊNCIA DE DEMANDA ANTERIOR. COISA
JULGADA. SUPERVENIÊNCIA DE NOVOS MEIOS DE PROVA. IRRELEVÂNCIA.
PREVALÊNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O
julgamento do recurso especial conforme o art. 557, § 1º-A, do CPC não
ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, se observados
os requisitos recursais de admissibilidade, os enunciados de Súmulas e a
jurisprudência dominante do STJ. 2. A via do agravo regimental, na
instância especial, não se presta para prequestionamento de dispositivos
constitucionais. 3. A Segunda Seção deste Tribunal Superior
consagrou o entendimento de que deve ser preservada a coisa julgada nas
hipóteses de ajuizamento de nova ação de investigação de paternidade,
ainda que se postule pela utilização de meios mais modernos de prova,
como o exame de DNA, haja vista a preponderância, nesses casos, da
segurança jurídica. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(grifei) A parte recorrente, ao deduzir o apelo extremo, sustentou
que o Tribunal “a quo” teria transgredido os preceitos inscritos no art.
1º, inciso III, no art. 5º, incisos XXXV e XXXVI, e no art. 227, § 6º,
todos da Constituição da República. O Ministério Público Federal, em
parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr.
RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, ao opinar pelo conhecimento e
provimento do recurso extraordinário em questão (fls. 569/571), formulou
parecer assim ementado (fls. 569): “CONSTITUCIONAL - AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. SUPERAÇÃO EM
DECORRÊNCIA DO SURGIMENTO DO EXAME DE DNA: POSSIBILIDADE. SEGURANÇA
JURÍDICA QUE CEDE DIANTE DE VALORES CONSTITUCIONAIS DE MAIS ALTO
ESCALÃO: DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal
Federal, ao julgar o RE 363.889, com repercussão geral reconhecida,
decidiu, por maioria, pela possibilidade de superação da coisa julgada
para autorizar a propositura de nova ação de investigação de paternidade
em face do surgimento do exame de DNA.” (grifei) Sendo esse o
contexto, passo a apreciar a postulação recursal ora em exame. E, ao
fazê-lo, observo, desde logo, que tenderia a negar provimento ao recurso
extraordinário em questão, pois entendo que se deve preservar a
autoridade da coisa julgada em razão de exigências de ordem social que
impõem a preponderância da segurança jurídica, que representa, em nosso
sistema constitucional, um dos subprincípios do Estado Democrático de
Direito. A análise da situação processual que resulta desta causa
revela que a ora recorrente postula, na realidade, o reexame do fundo de
uma controvérsia que já constituiu objeto de decisão irrecorrível.
Torna-se importante rememorar, por isso mesmo, considerado esse contexto
processual, o alto significado de que se reveste, em nosso sistema
jurídico, o instituto da “res judicata”, que configura atributo
específico da jurisdição e que se projeta na dupla qualidade que
tipifica os efeitos emergentes do ato sentencial: a imutabilidade, de um
lado, e a coercibilidade, de outro. A proteção constitucional
dispensada à coisa julgada em sentido material revela-se tão intensa que
impede sejam alterados os atributos que lhe são inerentes, a
significar, como já salientado, que nenhum ato estatal posterior poderá,
validamente, afetar-lhe a integridade. Esses atributos que
caracterizam a coisa julgada em sentido material, notadamente a
imutabilidade dos efeitos inerentes ao comando sentencial, recebem,
diretamente, da própria Constituição, especial proteção destinada a
preservar a inalterabilidade dos pronunciamentos emanados dos Juízes e
Tribunais, criando, desse modo, situação de certeza, de estabilidade e
de segurança para as relações jurídicas. É por essa razão que
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I/539-540, item n. 509, 51ª ed., 2010, Forense), discorrendo sobre o
fundamento da autoridade da coisa julgada, esclarece que o legislador,
ao instituir a “res judicata”, objetivou atender, tão-somente, “uma
exigência de ordem prática (...), de não mais permitir que se volte a
discutir acerca das questões já soberanamente decididas pelo Poder
Judiciário”, expressando, desse modo, a verdadeira razão de ser do
instituto em questão: a preocupação em garantir a segurança nas relações
jurídicas e a necessidade de preservar a paz no convívio social.
Mostra-se tão intensa a intangibilidade da coisa julgada, considerada a
própria disciplina constitucional que a rege, que nem mesmo lei
posterior – que haja alterado (ou, até mesmo, revogado) prescrições
normativas que tenham sido aplicadas, jurisdicionalmente, na resolução
do litígio – tem o poder de afetar ou de desconstituir a autoridade da
coisa julgada. Daí o preciso magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES
(“Manual de Direito Processual Civil”, vol. III/329, item n. 687, 2ª
ed./2ª tir., 2000, Millennium Editora) em torno das relações entre a
coisa julgada e a Constituição: “A coisa julgada cria, para a
segurança dos direitos subjetivos, situação de imutabilidade que nem
mesmo a lei pode destruir ou vulnerar - é o que se infere do art. 5º,
XXXVI, da Lei Maior. E sob esse aspecto é que se pode qualificar a ‘res
iudicata’ como garantia constitucional de tutela a direito individual.
Por outro lado, essa garantia, outorgada na Constituição, dá mais
ênfase e realce àquela da tutela jurisdicional, constitucionalmente
consagrada, no art. 5º, XXXV, para a defesa de direito atingido por ato
lesivo, visto que a torna intangível até mesmo em face de ‘lex
posterius’, depois que o Judiciário exaure o exercício da referida
tutela, decidindo e compondo a lide.” (grifei) Não custa enfatizar,
de outro lado, na perspectiva da eficácia preclusiva da “res judicata”,
que não se justifica a renovação do litígio que foi objeto de resolução
no processo de conhecimento, especialmente porque a decisão que apreciou
a controvérsia apresenta-se revestida da autoridade da coisa julgada,
hipótese em que, nos termos do art. 474 do CPC, “reputar-se-ão deduzidas
e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor (...)
à rejeição do pedido” (grifei). Cabe ter presente, neste ponto, a
advertência da doutrina (NELSON NERY JUNIOR/ROSA MARIA ANDRADE NERY,
“Código de Processo Civil Comentado”, p. 709, 10ª ed., 2007, RT), cujo
magistério - em lição plenamente aplicável ao caso ora em exame - assim
analisa o princípio do “tantum judicatum quantum disputatum vel
disputari debebat”: “Transitada em julgado a sentença de mérito, as
partes ficam impossibilitadas de alegar qualquer outra questão
relacionada com a lide sobre a qual pesa a autoridade da coisa julgada. A
norma reputa repelidas todas as alegações que as partes poderiam ter
feito na petição inicial e contestação a respeito da lide e não o
fizeram. Isto quer significar que não se admite a propositura de nova
demanda para rediscutir a lide, com base em novas alegações.” (grifei)
Esse entendimento - que sustenta a extensão da autoridade da coisa
julgada em sentido material tanto ao que foi efetivamente argüido quanto
ao que poderia ter sido alegado, mas não o foi, desde que tais
alegações e defesas se contenham no objeto do processo - também encontra
apoio no magistério doutrinário de outros eminentes autores, tais como
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I/550-553, itens ns. 516/516-a, 51ª ed., 2010, Forense), VICENTE GRECO
FILHO (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. 2/267, item n. 57.2,
11ª ed., 1996, Saraiva), MOACYR AMARAL SANTOS (“Primeiras Linhas de
Direito Processual Civil”, vol. 3/56, item n. 754, 21ª ed., 2003,
Saraiva), EGAS MONIZ DE ARAGÃO (“Sentença e Coisa Julgada”, p. 324/328,
itens ns. 224/227, 1992, Aide) e JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Manual de
Direito Processual Civil”, vol. III/332, item n. 689, 2ª ed., 2000,
Millennium Editora). Lapidar, sob tal aspecto, a autorizadíssima
lição de ENRICO TULLIO LIEBMAN (“Eficácia e Autoridade da Sentença”, p.
52/53, item n. 16, nota de rodapé, tradução de Alfredo Buzaid/Benvindo
Aires, 1945, Forense), que, ao referir-se ao tema dos limites objetivos
da coisa julgada, acentua que esta abrange “tanto as questões que foram
discutidas como as que o poderiam ser”: “(...) se uma questão
pudesse ser discutida no processo, mas de fato não o foi, também a ela
se estende, não obstante, a coisa julgada, no sentido de que aquela
questão não poderia ser utilizada para negar ou contestar o resultado a
que se chegou naquele processo. Por exemplo, o réu não opôs uma série de
deduções defensivas que teria podido opor, e foi condenado. Não poderá
ele valer-se daquelas deduções para contestar a coisa julgada. A
finalidade prática do instituto exige que a coisa julgada permaneça
firme, embora a discussão das questões relevantes tenha sido
eventualmente incompleta; absorve ela, desse modo, necessariamente,
tanto as questões que foram discutidas como as que o poderiam ser.”
(grifei) A necessária observância da autoridade da coisa julgada
representa expressivo consectário da ordem constitucional, que consagra,
dentre os vários princípios que dela resultam, aquele concernente à
segurança jurídica. É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal,
por mais de uma vez, já fez consignar advertência que põe em destaque a
essencialidade do postulado da segurança jurídica e a consequente
imprescindibilidade de amparo e tutela das relações jurídicas definidas
por decisão transitada em julgado: “O CUMPRIMENTO DAS DECISÕES
JUDICIAIS IRRECORRÍVEIS IMPÕE-SE AO PODER PÚBLICO COMO OBRIGAÇÃO
CONSTITUCIONAL INDERROGÁVEL. A exigência de respeito incondicional
às decisões judiciais transitadas em julgado traduz imposição
constitucional justificada pelo princípio da separação de poderes e
fundada nos postulados que informam, em nosso sistema jurídico, a
própria concepção de Estado Democrático de Direito. O dever de
cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos
em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode
subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República. A
desobediência a ordem ou a decisão judicial pode gerar, em nosso sistema
jurídico, gravíssimas conseqüências, quer no plano penal, quer no
âmbito político-administrativo (possibilidade de ‘impeachment’), quer,
ainda, na esfera institucional (decretabilidade de intervenção federal
nos Estados-membros ou em Municípios situados em Território Federal, ou
de intervenção estadual nos Municípios).” (RTJ 167/6-7, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, Pleno) O que se revela incontroverso, nesse
contexto, é que a exigência de segurança jurídica, enquanto expressão do
Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnada de elevado conteúdo
ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas,
mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR
MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre
comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se
preservem, desse modo, situações consolidadas e protegidas pelo fenômeno
da “res judicata”. Importante referir, no ponto, em face de sua
extrema pertinência, a aguda observação de J. J. GOMES CANOTILHO
(“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 250, 1998,
Almedina): “Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção
da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores
considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio
ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral,
considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos
objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica,
segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção
da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança,
designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em
relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A
segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade,
clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma
que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas
disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos.
Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da
confiança são exigíveis perante 'qualquer acto' de 'qualquer poder' -
legislativo, executivo e judicial.” (grifei) Nem se invoque, ainda,
para legitimar entendimento em sentido contrário à garantia da "res
judicata", a tese da “relativização” da autoridade da coisa julgada, em
especial da (impropriamente) denominada “coisa julgada
inconstitucional”, como sustentam alguns eminentes autores (JOSÉ AUGUSTO
DELGADO, “Pontos Polêmicos das Ações de Indenização de Áreas Naturais
Protegidas – Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais”,
“in” Revista de Processo nº 103/9-36; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,
“Relativizar a Coisa Julgada Material”, “in” Revista de Processo nº
109/9-38; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “A Reforma do Processo de Execução e
o Problema da Coisa Julgada Inconstitucional (Código de Processo Civil,
artigo 741, Parágrafo Único)”, “in” Revista dos Tribunais, vol.
841/56/76, ano 94; TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA
MEDINA, “O Dogma da Coisa Julgada – Hipóteses de Relativização”, 2003,
RT; TEORI ALBINO ZAVASCKI, “Embargos à Execução com Eficácia Rescisória:
Sentido e Alcance do Art. 741, Parágrafo Único, Do CPC”, “in” Revista
de Processo, vol. 125/79-91, v.g.). Tenho para mim que essa posição
(a da relativização da coisa julgada), se admitida, antagonizar-se-ia
com a proteção jurídica que a ordem constitucional dispensa, em caráter
tutelar, à “res judicata”. Na realidade, a desconsideração da
“auctoritas rei judicatae” implicaria grave enfraquecimento de uma
importantíssima garantia constitucional que surgiu, de modo expresso, em
nosso ordenamento positivo, com a Constituição de 1934. A
pretendida “relativização” da coisa julgada – tese que tenho repudiado
em diversos julgamentos (monocráticos) proferidos no Supremo Tribunal
Federal (RE 592.912/RS – RE 594.350/RS – RE 594.892/RS – RE 594.929/RS –
RE 595.565/RS, dos quais sou Relator) - provocaria conseqüências
altamente lesivas à estabilidade das relações intersubjetivas, à
exigência de certeza e de segurança jurídicas e à preservação do
equilíbrio social, valendo destacar, em face da absoluta pertinência de
suas observações, a advertência de ARAKEN DE ASSIS (“Eficácia da Coisa
Julgada Inconstitucional”, “in” Revista Jurídica nº 301/7-29, 12-13):
“Aberta a janela, sob o pretexto de observar equivalentes princípios
da Carta Política, comprometidos pela indiscutibilidade do provimento
judicial, não se revela difícil prever que todas as portas se
escancararão às iniciativas do vencido. O vírus do relativismo
contaminará, fatalmente, todo o sistema judiciário. Nenhum veto, ‘a
priori’, barrará o vencido de desafiar e afrontar o resultado precedente
de qualquer processo, invocando hipotética ofensa deste ou daquele
valor da Constituição. A simples possibilidade de êxito do intento
revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios, nos
quais o órgão judiciário de 1º grau decidirá, preliminarmente, se
obedece, ou não, ao pronunciamento transitado em julgado do seu Tribunal
e até, conforme o caso, do Supremo Tribunal Federal. Tudo, naturalmente
justificado pelo respeito obsequioso à Constituição e baseado na
volúvel livre convicção do magistrado inferior. Por tal motivo,
mostra-se flagrante o risco de se perder qualquer noção de segurança e
de hierarquia judiciária. Ademais, os litígios jamais acabarão,
renovando-se, a todo instante, sob o pretexto de ofensa a este ou aquele
princípio constitucional. Para combater semelhante desserviço à Nação,
urge a intervenção do legislador, com o fito de estabelecer,
previamente, as situações em que a eficácia de coisa julgada não opera
na desejável e natural extensão e o remédio adequado para retratá-la
(...). Este é o caminho promissor para banir a insegurança do vencedor, a
afoiteza ou falta de escrúpulos do vencido e o arbítrio e os casuísmos
judiciais.” (grifei) Esse mesmo entendimento - que rejeita a
“relativização” da coisa julgada em sentido material – foi exposto, em
lapidar abordagem do tema, por NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE
ANDRADE NERY (“Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante”, p. 715/716, item n. 28, 11ª ed., 2010, RT): “28.
Coisa julgada material e Estado Democrático de Direito. A doutrina
mundial reconhece o instituto da coisa julgada material como ‘elemento
de existência’ do Estado Democrático de Direito (...). A ‘supremacia da
Constituição’ está na própria coisa julgada, enquanto manifestação do
Estado Democrático de Direito, fundamento da República (CF 1.º ‘caput’),
não sendo princípio que possa opor-se à coisa julgada como se esta
estivesse abaixo de qualquer outro instituto constitucional. Quando se
fala na intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar ao instituto
tratamento jurídico inferior, de mera figura do processo civil, regulada
por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o reconhecimento da
coisa julgada com a magnitude constitucional que lhe é própria, ou seja,
de elemento formador do Estado Democrático de Direito, que não pode ser
apequenado por conta de algumas situações, velhas conhecidas da
doutrina e jurisprudência, como é o caso da sentença injusta, repelida
como irrelevante (...) ou da sentença proferida contra a Constituição ou
a lei, igualmente considerada pela doutrina (...), sendo que, nesta
última hipótese, pode ser desconstituída pela ação rescisória (CPC 485
V). (...) O risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional
no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de
instaurar-se a insegurança geral com a relativização (‘rectius’:
desconsideração) da coisa julgada.” (grifei) Absolutamente correto,
pois, o magistério de autores – como JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA
(“Considerações Sobre a Chamada ‘Relativização’ da Coisa Julgada
Material” “in” Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro nº 62/43-69); ROSEMIRO PEREIRA LEAL (“Relativização
Inconstitucional da Coisa Julgada – Temática Processual e Reflexões
Jurídicas”, p. 3/22, 2005, Del Rey); SÉRGIO GILBERTO PORTO (“Cidadania
Processual e Relativização da Coisa Julgada” “in” Revista Jurídica nº
304/23-31) e LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO (“Código de
Processo Civil”, p. 716/717, item n. 9, 2ª ed., 2010, RT) – que repudiam
a tese segundo a qual mostrar-se-ia viável a “relativização” (ou
desconsideração) da autoridade da coisa julgada, independentemente da
utilização ordinária da ação rescisória, valendo relembrar, no ponto, a
advertência de LEONARDO GRECO (“Eficácia da Declaração ‘Erga Omnes’ de
Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em Relação à Coisa Julgada
Anterior” “in” “Relativização da Coisa Julgada”, p. 254/255, 2ª ed./2ª
tir., 2008, JusPODIVM): “(...) Todavia, parece-me que a coisa
julgada é uma importante garantia fundamental e, como tal, um verdadeiro
direito fundamental, como instrumento indispensável à eficácia concreta
do direito à segurança, inscrito como valor e como direito no preâmbulo
e no ‘caput’ do artigo 5º da Constituição de 1988. A segurança não é
apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas
também e principalmente a segurança jurídica.
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A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o
Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são
as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais
pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.
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A coisa julgada é, assim, uma garantia essencial do direito
fundamental à segurança jurídica. Em recente estudo sobre as
garantias fundamentais do processo, recordei que, na jurisdição de
conhecimento, a coisa julgada é garantia da segurança jurídica e da
tutela jurisdicional efetiva. Àquele a quem a Justiça reconheceu a
existência de um direito, por decisão não mais sujeita a qualquer
recurso no processo em que foi proferida, o Estado deve assegurar a sua
plena e definitiva fruição, sem mais poder ser molestado pelo
adversário. Se o Estado não oferecer essa garantia, a jurisdição nunca
assegurará em definitivo a eficácia concreta dos direitos dos cidadãos.
Por outro lado, a coisa julgada é uma conseqüência necessária do direito
fundamental à segurança (artigo 5º, inciso I, da Constituição) também
dos demais cidadãos, e não apenas das partes no processo em que ela se
formou, pois todos aqueles que travam relações jurídicas com alguém que
teve determinado direito reconhecido judicialmente devem poder confiar
na certeza desse direito que resulta da eficácia que ninguém pode negar
aos atos estatais. (…).” (grifei) Cabe ter presente, neste ponto, o
que a própria jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal
vinha proclamando, já há quatro (4) décadas, a respeito da
invulnerabilidade da coisa julgada em sentido material, enfatizando, em
tom de grave advertência, que sentenças transitadas em julgado, ainda
que inconstitucionais, somente poderão ser invalidadas mediante
utilização de meio instrumental adequado, como sucede com a ação
rescisória no domínio processual civil. Com efeito, esta Suprema
Corte, já em 1968, quando do julgamento do RMS 17.976/SP, Rel. Min.
AMARAL SANTOS (RTJ 55/744), proferiu decisão na qual reconheceu a
impossibilidade jurídico-processual de válida desconstituição da
autoridade da coisa julgada, mesmo na hipótese de a sentença transitada
em julgado haver resolvido o litígio com fundamento em lei declarada
inconstitucional: “A suspensão da vigência da lei por
inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o
império da lei inconstitucional. Contudo, a nulidade da decisão judicial
transitada em julgado só pode ser declarada por via de ação rescisória,
sendo impróprio o mandado de segurança (...).” (grifei)
Posteriormente, em 1977, o Supremo Tribunal Federal, reafirmando essa
corretíssima orientação jurisprudencial, fez consignar a
inadmissibilidade de embargos à execução naqueles casos em que a
sentença passada em julgado apoiou-se, para compor a lide, em lei
declarada inconstitucional por esta Corte Suprema: “Recurso
Extraordinário. Embargos à execução de sentença porque baseada, a
decisão trânsita em julgado, em lei posteriormente declarada
inconstitucional. A declaração da nulidade da sentença somente é
possível via da ação rescisória. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal. (...).” (RE 86.056/SP, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN –
grifei) Vê-se, a partir das considerações que venho de expor, que
não se revela processualmente ortodoxo nem juridicamente adequado, muito
menos constitucionalmente lícito, pretender-se o reexame de
controvérsia definitivamente resolvida por decisão transitada em
julgado. É que, em ocorrendo tal situação, a sentença de mérito
tornada irrecorrível em face do trânsito em julgado só pode ser
desconstituída mediante ajuizamento de uma específica ação autônoma de
impugnação (ação rescisória), desde que utilizada, pelo interessado, no
prazo decadencial definido em lei, pois, esgotado referido lapso
temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, que se
revela, a partir de então, insuscetível de modificação ulterior, como
observa JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Manual de Direito Processual Civil”,
vol. III/344, item n. 698, 2ª ed./2ª tir., 2000, Millennium Editora):
“Passando em julgado a sentença ou acórdão, há um julgamento com força
de lei entre as partes, a que estas se encontram vinculadas
imutavelmente. Permitido está, no entanto, que se ataque a ‘res
iudicata’ (...), principalmente através de ação rescisória. (...).
Esse prazo é de decadência e seu ‘dies a quo’ se situa na data em que
ocorreu a ‘res iudicata’ formal. (...). Decorrido o biênio sem a
propositura da rescisória, há coisa ‘soberanamente’ julgada, o que
também se verifica depois de transitada em julgado decisão declarando
improcedente a rescisória.” (grifei) Como anteriormente salientei no
início desta decisão, tenderia a negar provimento ao presente recurso
extraordinário, pois, consoante enfatizei, entendo que se deve preservar
a autoridade da coisa julgada em razão de exigências de ordem social
que impõem a preponderância da segurança jurídica, que representa, em
nosso sistema constitucional, um dos subprincípios do Estado Democrático
de Direito. Ocorre, no entanto, que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, ao menos em tema de investigação de paternidade,
firmou-se em sentido diverso. Por isso mesmo, e com a ressalva de minha
posição pessoal, devo ajustar-me ao entendimento majoritário que
prevaleceu, no âmbito desta Corte, no exame da questão jurídica ora em
análise. Cabe-me reconhecer, por tal motivo (e apenas em razão
dele), que o acórdão – de que ora se recorre extraordinariamente –
diverge da orientação jurisprudencial que o Plenário desta Suprema Corte
fixou sobre o “thema decidendum”. Com efeito, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão geral da
controvérsia jurídica também versada na presente causa, julgou o RE
363.889-RG/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, proferindo decisão
consubstanciada em acórdão assim ementado: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM
FUNDAMENTO EM COISA JULGADA. REPROPOSITURA DA DEMANDA. POSSIBILIDADE, EM
RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE
GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É
dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da
repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior
demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por
falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições
econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a
produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada
estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi
possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir
as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, único meio
de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência
de tal vínculo. 3. Em respeito ao princípio da busca da identidade
genética do ser, não devem ser impostos óbices processuais à veraz
determinação de sua existência, em cada caso concreto, como forma de
tornar-se igualmente efetivo o princípio da igualdade entre os filhos,
inclusive de direitos e qualificações, bem assim o princípio da
paternidade responsável. 4. Recursos extraordinários conhecidos e
providos.” (grifei) Sendo assim, tendo em consideração as razões
expostas, e com ressalva de minha posição pessoal, conheço do presente
recurso extraordinário, para dar-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º-A),
respeitando, desse modo, o princípio da colegialidade. Publique-se.
Brasília, 23 de novembro de 2011. Ministro CELSO DE MELLO Relator
(RE 649154, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 23/11/2011, publicado em DJe-226 DIVULG 28/11/2011 PUBLIC 29/11/2011)
(RE 649154, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 23/11/2011, publicado em DJe-226 DIVULG 28/11/2011 PUBLIC 29/11/2011)
Crimes Contra Dignidade Pessoal da Criança ou do Adolescente e Prescrição
Foi publicada no último dia 18.05 a Lei Federal nº 12.650/2012, por meio da qual o art. 111 do Código Penal foi alterado para a inclusão do inciso V, cuja disposição tornou a data em que a vítima completa dezoito anos o termo inicial do lapso prescricional dos delitos contra a dignidade sexual de crianças e jovens. A medida é altamente positiva, posto que a violência sexual atua como um gravame de custos pessoais elevados na vida daqueles que sofreram suas consequências nessa quadra da vida. Para alêm disso, tem-se noticiado, como se vê no Portal ANDI, a evolução do número de casos de violência sexual contra crianças e jovens, cuja apuração se vê muitas vezes prejudicada por um silêncio familiar que estimula seu incremento, com conseqüências imagináveis. Minha experiência profissional com hipóteses dessa natureza faz-me lembrar certa ocasião em que uma garota já maior, trazida a meu gabinete por conhecidos, se encontrava à beira de forte depressão por ter sido constantemente abusada pelo padrasto, o que a havia arrasado psicológicamente, inclusive pelo silêncio materno, a quem tive de informar a mais completa impossibilidade de medidas penais àquela altura, dada a natureza dos crimes e o tempo decorrido. Eu a recebi por duas ou três vezes e pude então me defrontar com a devastação pessoal ocasionada em vítimas como ela e a irremovibilidade de um sofrimento que parece significar trauma insuperável ou quase isso. A possibilidade da ação penal não resolve o problema, por óbvio, malgrado atenue a sensação de impotência de quem fica face a face com circunstâncias como essas.
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